Há pouco tempo atrás, inteligência artificial era coisa de ficção científica. Entretanto, a evolução da computação transformou a ficção em realidade. E é bem possível que, tal como eu, você também esteja expectante com relação ao futuro da AI. Ainda que hoje ela esteja mais para a criação de deep fakes como Silvio Santos apresentando o Jornal Nacional do que para a escravização da raça humana, a IA já está transformando diversas indústrias.
Você pode encontrar IA em atendimentos virtuais, serviços de streaming e em uma enorme seleção dos novos cassinos online. Dentre as indústrias mais transformadas por esta tecnologia, possivelmente, está o cinema, com impacto direto em atores, atrizes e dubladores de um modo geral.
Disputa de Interesses
A indústria de jogos eletrônicos e a organização SAG-AFTRA, principal sindicato de atores de Hollywood, atravessam um momento delicado da sua relação. Para a surpresa de sindicalizados ilustres como Steve Blum, o sindicato assinou um acordo com a desenvolvedora de jogos, Replica Studios, para a utilização de IA na dublagem em jogos.
O ponto mais controverso do acordo permite a criação e licenciamento de réplicas das vozes dos atores, principalmente para jogos de primeira linha. O sindicato defende que o acordo é um passo fundamental para regulamentar o uso deste tipo de dublagem. O acordo define que a réplica das vozes deve ser autorizada pelos atores, que podem revogar esta autorização quando quiserem, além de poderem proibir a utilização futura do material.
Segundo o sindicato, o acordo é uma tentativa de evitar o uso indiscriminado de vozes geradas por inteligência artificial no setor, sem um acordo prévio com os dubladores. Ao definir parâmetros para utilização desta tecnologia, buscou-se criar uma forma segura para explorar as novas possibilidades que ela traz, mas de forma justa e ética.
Artistas Vs Máquinas
A comunidade de dubladores parece discordar. Steve Blum respondeu ao sindicato no Twitter, afirmando que ninguém da comunidade havia aprovado aquele acordo e que a dublagem corresponde à maior parte de sua renda há anos. Em meados do ano passado, atores e atrizes entraram em greve por 148 dias, em protesto contra o uso indiscriminado da tecnologia nesta indústria.
Outra voz contrária ao avanço da tecnologia sobre a comunidade artística é o dublador Elias Toufexis. Se você é fã de jogos de ação assim como eu, vai lembrar dele por sucessos como Starfield e Deus Ex. Elias lamenta que trabalhos anônimos de NPCs, que deram oportunidade para tantos profissionais em início de carreira, estejam desaparecendo pelo uso de IA.
A Microsoft também foi alvo de críticas por parte da comunidade de dubladores. Em 2023, a gigante da tecnologia anunciou uma parceria com a Inworld AI. A parceria prevê não apenas criação de vozes, mas também diálogos e histórias.
Outros Desdobramentos
Não é apenas o uso de vozes geradas por IA que preocupa a comunidade artística. Esta tecnologia vem sendo cada vez mais utilizada na indústria do entretenimento, com funções criativas que antes eram exclusividade de escritores, atores e dubladores humanos. Se por um lado, a inteligência artificial pode acelerar a criação de conteúdo para jogos, coloca também o emprego dos profissionais deste setor em risco.
Lado Positivo
Nem todos os dubladores enxergam a IA de geração de voz como uma ameaça. Na verdade, dubladores como Simon J. Smith estão até mesmo otimistas com a nova tecnologia. Para estes dubladores, é improvável que estúdios de jogos deixem de usar vozes humanas completamente.
Como a tecnologia torna os serviços de dublagem muito mais acessíveis, empresas que antes não utilizavam dublagem, podem passar a usar. Neste contexto, a voz humana teria novos usos e até vantagens para profissionais e empresas:
- Gravação para modelagem de diferentes tipos de diálogos;
- Gravação para diferentes entonações vocais;
- Processo mais económico porque reduz horas em estúdios de gravação;
- Surgimento de novas oportunidades de trabalho.
Toque Humano
Não são apenas os profissionais da área que jogam contra o uso da IA de voz. A própria comunidade gamer vê este tipo de utilização com maus olhos. O jogo The Finals, por exemplo, foi duramente criticado por não utilizar vozes humanas. Sam Winkler, diretor narrativo da Gearbox Software, afirmou que “dublagem feita por IA é ruim, simples assim”.
O diretor da Embark Studios, desenvolvedora do The Finals, argumentou que a geração de vozes por IA está extremamente avançada, o que os deixou à vontade para criar diálogos realistas. Estes diálogos também podem ser adaptados rapidamente, sem a necessidade de meses de gravação, como no modelo tradicional.
Mesmo com todo o avanço, eu acredito que a inteligência artificial ainda tem muitas limitações. Kit Harington, outra voz famosa dos games, também expressou sua indignação no Twitter. Em uma postagem, afirmou que a empresa precisa de atores reais para sons como respiração, grunhidos de esforço e dor, porque a tecnologia atual não dá conta destes sons.
Vozes do Futuro
A pressão dos profissionais da área, aliada às críticas de experts e jogadores, deve manter a utilização de IA de voz em xeque por algum tempo. Ademais, a falta de expressividade natural e limitações para a reprodução de sons não falados podem resultar em diálogos pouco convincentes.