O que leva uma pessoa a escrever? E a consagrar-se como escritora? Muitas vezes fazemos estas perguntas à nós mesmos, escritores amadores, que têm seus blogs ou caderninhos para mostrar seus escritos por aí. Mas o que responderiam os grandes escritores a esta pergunta?

Para que serve a literatura? O que leva alguém a escrever?

Por certo que se espera haver mais nessa resposta – tanto na “nossa”, quanto na deles – que alguma razão eminentemente pessoal, de gosto, mas nem sempre é assim. Também deve-se ter em mente que essa pergunta carrega consigo outros questionamentos tão importantes e aparentemente difíceis como responder sobre a motivação que leva um escritor a escrever. O que é literatura? Para que serve? O que é um escritor? Para que serve um escritor? Perguntas profundas, de difícil resposta – ainda que essa resposta pretenda ser a mais objetiva possível. Como bem lembrado numa postagem de Alejandro Gamero, do blogue La Piedra de Sísifo, e que me inspirou e levou a escrever esta nova postagem, um texto fundamental para compreender as perguntas feitas há pouco é o ensaio Literatura para quê?, de Antoine Compagnon.

Claro que, muitas vezes, fica evidente na resposta do escritor um discurso do qual ou é herdeiro, ou afirma e reafirma. Cada escritor tem seu modo de pensar e também seu modo de escrever. Outro trabalho interessante que talvez remeta ao tema é o da professora, pesquisadora e crítica literária Regina Dalcastagnè, que também serviu de insumo para um interessante infográfico.

Mas, afinal, por que um escritor escreve?

“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Pois bem, nesta tarde de resfriado e dores no corpo naveguei pela internet procurando por textos, entrevistas, qualquer registro escrito que fosse que pudesse responder à pergunta: e você, escritor, por que escreve? E, como base, resolvi utilizar os seguintes como insumo para este post: Por qué escribo,  “O escritor não transcreve a vida, inventa a vida”A última entrevista de Guimarães RosaMia Couto: ‘Escrevo para acalmar os fantasmas’Luandino Vieira: “Nunca parei de escrever”Um Escritor na Biblioteca: Luiz Ruffato.

Antes de tudo já informo que é uma lista e, como toda a lista, é arbitrária. Mas, vá lá, seguem as respostas – diretas e indiretas – à pergunta que proponho neste texto:

Héctor Abad Faciolince

Porque meu cérebro se comunica melhor através de minhas mãos do que através da língua. Porque o papel é um filtro, uma couraça, entre minhas palavras e os olhos do leitor. Porque me odeio menos escrevendo que falando. Porque enquanto escrevo posso me corrigir, escolher, uma por uma, as palavras e nada me interrompe, nem se desespera enquanto as encontro. Porque é um vício solitário e ameno.

Milton Hatoum

O grande desafio do escritor é transformar a sua experiência em linguagem. Todo mundo tem uma experiência, que pode ser mais rala, mais livresca, que pode ser uma experiência de leitura, de vida aventureira ou não. A questão da literatura é como isto se transforma em linguagem. A imaginação, que é o que para mim dá força à literatura, tem que traduzir esta experiência. O valor da arte está ligado à força da imaginação.

John Banville

Escrevo porque não sei escrever. Um jornalista uma vez perguntou a Gore Vidal porque escreveu Myra Breckinridge, ao que o respondeu: “Porque não estava ali”. Foi uma boa resposta. Colocar algo novo no mundo é um privilégio que não se concede a muita gente. E, ademais, a realidade só é real para mim depois de ter passado pelo crivo das palavras. Por isso, suponho que escrevo para imaginar a realidade completamente real. A arte cria a vida, disse Henry James, e assim o é.

Umberto Eco

Porque gosto.

Felipe Benítez Reyes

Se alguém te pergunta o porquê se escreve, é comum que se recorra a alguma frase mais ou menos engenhosa, e quase todas as frases engenhosas têm um grau oscilante de falsidade. Isto geralmente implica uma ligeira alteração do sentido em benefício da formulação da frase. Não sei porque escrevo, tampouco tenho interesse em saber o porquê. Neste caso, preocupo-me mais com o “como” do que com o “por que”. A pergunta parece escorregadia, pois qualquer resposta possível não passaria de uma pirueta no vazio. Embora – quem sabe –, se escreva para isto: para conseguir respostas sem a necessidade de uma pergunta, para ensaiar essas piruetas no vazio, que por si jê é um território literário muito fértil.

João Guimarães Rosa

Escrever, para mim, é como um ato religioso. Tenho montes de cadernos com relações de palavras, de expressões. Acompanhei muitas boiadas, a cavalo, e levei sempre um ca­derninho e um lápis preso ao bolso da camisa, para anotar tudo o que de bom fosse ouvido — até o cantar de pássaros. Talvez o meu trabalho seja um pouco arbitrário, mas se pegar, pegou. A verdade é que a tarefa que me impus não pode ser só realizada por mim.

John Boyne

Como a maioria dos escritores, não escrevo por ter escolhido. Escrevo porque tenho que escrever. Escrevo porque estou tentando me entender, entender minha vida, a razão porque nasci, a explicação do por que morrerei e descubro que só posso compreender isso tudo entrando no universo habitado pelos personagens que nascem da minha imaginação. Escrevo porque as histórias entram em minha mente e não as deixo ir até que escrevo 26 letras no teclado e as faço aparecer na tela diante de meus olhos. Escrevo por Charles Dickens e George Orwell; por John Irving e Colm Toibin. Escrevo porque aprecio a sensação de ter um livro em minhas mãos e outro em minha mente. Escrevo porque as palavras me encantam. Escrevo porque leio. Escrevo porque sempre quero que haja uma continuação.

José Manuel Caballero Bonald

Comecei a escrever porque queria ser Esproceda [poeta espanhol José de Esproceda]. Já falei sobre isso por aí, algumas vezes. Um dia encontrei, na casa de minha família, uma biografia do poeta e fiquei fascinado por alguém que morreu com 33 anos e havia vivido grandes aventuras: fundou uma sociedade secreta, sofreu perseguições e prisões, esteve exilado em Lisboa e Londres, combateu nas barricadas de Paris, foi guarda-costas e deputado, viveu amores difíceis, lutou heroicamente contra o absolutismo, etc. Pois bem, como eu não podia imitar Esproceda em tantas e tão particulares façanhas, escolhei o que me era mais fácil: tê-lo como inspiração e escrever poesia. Logo, com a vinda dos anos, minha paixão pela leitura foi ativando em mim uma dedicação também à escrita. E é assim até hoje.

José Luandino Vieira

Fui sempre escrevendo. Pelo menos fui sempre armazenando. Como fui vendo sempre a realidade em termos de literatura, o que é defeito meu, porque muitas vezes subestimo, outras vezes sobreestimo as pessoas, e os sentimentos das pessoas. É sempre uma alienação, uma fuga – protejo-me de que seja uma falta de respeito. Ao ver assim essa realidade, sempre, eu guardo-a já transformada em literatura na minha cabeça. Daí dizer que estou sempre a escrever. Vivo intensamente o real, mas o que armazeno é já literatura.

Ken Follett

Quando me levando pela manhã, a primeira coisa em que penso é escrever a próxima cena de algum livro meu. É o que eu mais gosto. É fantástico dedicar-se a algo que se sabe fazer bem. Gosto de escrever, mas gostar é uma palavra que parece não ser suficiente. O ato de escrever me apaixona. Envolve todo meu intelecto, minhas emoções, compreendendo o que sei do mundo e como funciona o ser humano. Tudo parte do desafio de enfeitiçar meus leitores. Meu trabalho me absorve completamente.

Carlos Fuentes

Porque respiro.

Nélida Piñon

Eu tenho a esperança de que a narrativa nunca vai me abandonar, de que continue estando em todas as partes. De que, como companheira de meus dias, irradie os caprichos humanos, os interstícios do mistério, frequentes nos pontos cardeais da minha existência.

Escrevo porque o verbo provoca em mim um desassossego, aguça os mil instrumentos da vida. E porque, para narrar, dependo da minha crença na mortalidade. Com a fé de que uma história bem contada me bote às lágrimas. Sobretudo quando, no meio de uma exaltação narrativa, há amores contrariados, despedidas prejudiciais, sentimentos ambíguos, sem nenhuma lógica. Escrevo, em conclusão, para conseguir uma passagem para percorrer o labirinto humano.

Mario Vargas Llosa

Escrevo porque aprendi a ler desde menino e a leitura me trouxe tanto prazer, me fez viver experiências tão ricas, transformou minha vida de uma maneira tão maravilhosa que suponho que minha vocação veio como uma transpiração, um libertar para essa enorme liberdade que me dava a leitura.

De certa forma, a escrita tem sido como um reverso, ou um complemente indispensável para essa leitura, que para mim continua sendo a experiência máxima, a mais enriquecedora, a que mais me ajuda a enfrentar qualquer tipo de adversidade ou frustração. Por outro lado, escrever, que pelo princípio é uma atividade que incorpora a sua vida com a dos outros, com o exercer da escrita ela vai se convertendo em seu modo de vida, numa atividade central, aquela que domina absolutamente sua vida.

A famosa frase de Flaubert, que sempre cito, “Escrever é uma maneira de viver”. No meu caso, tem acontecido exatamente isso. A escrita tem se convertido no centro de tudo o que faço, de tal maneira que não poderia imaginar uma vida sem a escrita e, claro, sem seu complemento indispensável, a leitura.

Mia Couto

O escritor escreve para acalmar os seus próprios fantasmas interiores. Tenho descoberto que as pessoas com quem gosto mais de falar são aquelas que não têm voz. Existe um jogo de adivinhação que gosto de fazer, que é o de questionar alguém que nunca foi chamado para dizer nada. O que é que essas pessoas gostariam de dizer? É isso que me faz correr.

Luiz Ruffato

Trabalho desde os seis anos de idade, então eu sei exatamente o valor do trabalho, quanto a isso nunca tive dúvida. O trabalho tem que ser pago. Em 1998, quando publiquei meu primeiro livro, fiz uma projeção para mim: Em dez anos iria abandonar o jornalismo para viver de literatura. Mas aconteceu uma coisa no meio do caminho: Três anos depois, eu publiquei Eles eram muitos cavalos, que foi um grande sucesso, com reedições contínuas. Então, em 2003, cinco anos depois do meu primeiro livro, consegui sair do jornal, onde ocupava uma posição bastante confortável. Meus amigos mais próximos tentaram me fazer ir ao psiquiatra antes. Mas eu pensei que, se não desse certo, voltaria ao jornalismo, sem nenhum problema. Mas eu queria tentar viver de literatura. Naquele mesmo ano, recebi propostas para escrever roteiros para a Rede Globo e para cinema. Mas nunca quis fazer nada disso. Eu queria viver de literatura, dos meus livros. Desde então, venho renovando o contrato comigo mesmo.

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António César de Andrade

Apaixonado por tecnologia e inovação, traz notícias do seguimento que atua com paixão há mais de 15 anos.