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Foi no dia 25 de janeiro, numa manhã fria de inverno. Existia uma grande expectativa para o lançamento do revolucionário Windows 95, que havia deixado os usuários de computador de queixo caído com o lançamento de uma versão beta em outubro de 1994 – mas que tardou, vindo ao mundo como versão oficial apenas em agosto de 1995. Mais forte na memória, apenas a lembrança do Terremoto de Kobe, no Japão, que havia matado mais de 6 mil pessoas uma semana antes. Um dia aparentemente comum, mas que poderia ter entrado para a história como o marco inicial da III Guerra Mundial. Mas fique tranquilo, se você estiver lendo este texto agora é porque sobreviveu – e eu também –, ao menos ao fatídico episódio de 1995.

A Guerra Fria havia terminado há alguns anos e o – hoje em dia corriqueiro – medo do terrorismo ainda tinha pouca importância, passava quase despercebido – havia realmente um clima de paz após cerca de 40 anos de tensão. Se você é um leitor atento, já notou que não estamos no Brasil com um inverno em pleno janeiro. Não. Toda a confusão aqui foi no Hemisfério Norte, mas o resultado do que poderia ter acontecido naquele 25 de janeiro afetaria o mundo todo.

Naquela manhã aparentemente tranquila, uma falha de comunicação, um mero mal entendido, quase iniciou uma guerra entre as duas maiores potências nucleares do planeta. Uma equipe formada por cientistas noruegueses e americanos lançou, naquela manhã, o foguete Black Brant XII, que carregava equipamentos para estudar as auroras boreais no arquipélago de Svalbard, ao Norte da Noruega. O lançamento do foguete havia sido comunicado pelos americanos e noruegueses a todos os países que o foguete cruzaria o espaço aéreo, inclusive a Rússia, mas parece que alguém esqueceu de passar a mensagem aos operadores de radar.

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Trajetória do foguete. Imagem: Wikimedia Commons.
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Alguns minutos depois do lançamento, o controle de espaço aéreo Russo detectou um foguete de quatro estágios – comumente utilizados para carregar ogivas nucleares – em direção ao país. Para piorar a situação, a rota que o foguete traçava era a do corredor aéreo que se estende desde a base de lançamento de mísseis nucleares de Minuteman-III, na Dakota do Norte, até a cidade de Moscou, na Rússia. Como se não bastasse apenas isto para deixar os operadores de radar em polvorosa, a situação ainda piorou quando o foguete atingiu 1453 km de altitude, o que parecia encaixar o projétil nas características dos mísseis nucleares Trident, que eram lançados por submarinos americanos.

Àquela altura as forças militares russas já estavam em alerta máximo e o procedimento padrão para um ataque nuclear, na época, foi tomado: a maleta de lançamento de mísseis nucleares para contra-ataque foi levada ao então presidente russo, Boris Iéltsin, que deveria – em apenas alguns instantes – tomar a decisão de lançar mísseis nucleares em direção aos Estados Unidos. Na época, Rússia e Estados Unidos possuíam, juntas, 30 mil das 31 mil bombas nucleares do planeta – essa quantidade de bombas era equivalente a cerca de 250 mil bombas semelhantes às usadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Se todo aquele arsenal fosse usado, seria o suficiente para tapar a luz solar durante pelo menos seis meses.

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Boris Iéltsin e Bill Clinton, então presidentes da Rússia e dos Estados Unidos, respectivamente. Imagem: Wikipedia Commons.

Felizmente, Yeltsin estava sóbrio quando recebeu a maleta e, segundos antes de o presidente ter de tomar a decisão de apertar ou não o botão, um dos militares russos que acompanhavam a trajetória do foguete pelo radar notou que o projétil já estava muito alto e se distanciando dos alvos considerados como estratégicos e que poderiam representar alguma ameaça ao país. Iéltsin, então, decidiu não contra-atacar e contatar o governo americano, constatando posteriormente que se tratava apenas de um foguete com fins científicos.

Naquele episódico 25 de janeiro tudo acabou bem, mas aquele não foi um fato isolado envolvendo mísseis nucleares em momentos críticos. O mais famoso deles talvez seja A Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, mas outros incidentes aconteceram e de maneira semelhante ao ocorrido em 1995.

Em 1983, o bunker soviético Serphukov-15 detectou um míssil, proveniente dos Estados Unidos, indo em direção à URSS. Na época, os radares não eram nada confiáveis e o militar Stanislav Petrov teve a corajosa atitude de considerar o aviso um alarme falso e não enviar o alarme para um contra-ataque nuclear, uma vez que havia apenas um foguete em direção à potência, o que não faria sentido se realmente se tratasse de um ataque nuclear americano.

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Capa do jornal O Estado de S. Paulo de 30 de outubro de 1962, noticiando o fim da crise dos mísseis cubanos. Fonte: Arquivo Estadão.

Ainda em 1983, em setembro, um avião comercial da Korean Airlines foi abatido após invadir, acidentalmente, o espaço aéreo da URSS. Devido à dificuldade em se estabelecer contato com a aeronave, a força aérea do país não pensou duas vezes e abateu a aeronave. O episódio causou um grande mal-estar no mundo, pois 269 inocentes foram mortos devido ao medo e à guerra psicológica empenhados pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Ainda naquele ano, um exercício militar realizado pela OTAN e chamado de Able Archer, foi responsável por 10 dias de tensão extrema na Alemanha Oriental e no mundo quando levou, para a Alemanha Ocidental, mísseis nucleares durante a realização do exercício. Tratava-se de um exercício militar de enormes proporções, mas que tinha o objetivo de realizar um jogo psicológico contra a União Soviética, deixando o armamento nuclear americano tão próximo das fronteiras comunistas. Por fim, a URSS não cedeu à pressão e tudo não passou de um alarme. O mundo pôde dormir, de uma maneira quase que inacreditável, com alguma paz sobre seus travesseiros.

Hoje, uma forte campanha pelo desarmamento nuclear e a imposição de barreiras econômicas na tentativa de evitar o enriquecimento de urânio têm sido as bandeiras que pretendem proteger o mundo de um conflito nuclear. Atualmente, estima-se que existam cerca de 10 mil bombas nucleares ativas (ou seja, capazes de serem acionadas a qualquer momento) no mundo todo, se acrescentássemos aí as inativas, o número seria bem maior. Mesmo com essa diminuição significativa no número de bombas ativas, fica em nossa mente um pensamento incomodo: ainda estaremos seguros se alguém – de novo – esquecer de dar o recado?

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António César de Andrade

Apaixonado por tecnologia e inovação, traz notícias do seguimento que atua com paixão há mais de 15 anos.